Músico
Filho de Rita Catarina de Cássia e Gabriel Vitor
de Campos, Bianor Victor Campos nasceu em Piacatuba aos 10 de julho de 1924. Em
Leopoldina, teve como ocupação primeira a sapataria, antes de prestar serviço
militar no Rio de Janeiro, onde provou oportunidades em sua formação naquela
que seria sua ocupação perpétua: a música.
Voltando a Leopoldina, formou um Conjunto
Regional composto por Bembém no cavaquinho, Edinho no acordeom, Castrogildo na
clarineta, Sãozinho e Leco nos primeiros violões (ele no segundo), Delorme e
Honório nos pandeiros. Atuou na "Leopoldina Orquestra" e em tantos
outros grupos e bandas musicais, também como baixista e arranjador, sendo o
atávico professor de violão dessa terra.
De sua união com Hilda Vitório nasceram Norma,
Flávio, Beatriz, Ione e Euza.
Nos deixou, fisicamente, em 23 de outubro de
2006, aos 82 anos.
Patrono da cadeira 36, ele fará 100 anos aos 10
do próximo mês, data tão importante quanto o 09/07, efemérides musicais
leopoldinenses que merecem mais atenção, assim como outros tantos suportes de
nossa evanescente memória coletiva.
Meus pais, Consuelo e Iano, figuravam na
vastíssima lista de aprendizes do professor Bianor já na década de 1980. Quando
comecei aos seis ou sete anos, era eu mais um aluno em nossa casa a ter os
primeiros ensinamentos sobre o pinho e suas seis cordas com ele. Meu pai,
patrono da cadeira 35, avocada pela professora Dora Deise Stephan Moreira, foi
o grande incentivador para que eu estudasse com o mestre Bianor, como já o
havia feito com meus três irmãos maiores – Yuri, Diego e Iano Jr. (também meus
encorajadores, pelo simples gesto de empunharem o violão). O menor, Nêmer, não
teve a fortuna de ter sido aluno de Bianor; sua mãe, Simone, minha madrasta,
felizmente sim.
Bianor caminhava por toda a nossa Leopoldina
para professorar música e, ao se aproximar de minha casa, podia vê-lo descendo
a Álvaro Bastos Freire, rua sem saída, com seu violão encapado por uma
gabardina jeans, assoviando, certamente, melodia de repertório a ser ensaiado,
arranjado ou executado em vários dos compromissos previstos em sua agenda.
Com ele, chegava seu sorriso. O professor com
mais de sessenta, o aluno aos seis e pouco. Um universo entre nós, só dirimido
pelas notas, melodias e letras que reverberavam de Bianor. Ele e violão um só
corpo, uma só alma. "Lá vem, lá vem/ Marinheiro só/ Como ele vem faceiro/
Marinheiro só", poderia ser o mote a ilustrar o peregrino de teoria e
prática musical de Leopoldina. Solas dos sapatos em dia, percussionistas,
apesar das longas caminhadas, pois o primeiro de seus ofícios o permitia cuidar
do pouso de seus pés.
Aos meus sete ou oito, incomodado com a
disciplina dos horários semanais das aulas e dos estudos que delas abrolhavam,
e que me tiravam do meu beco encharcado de crianças e suas brincadeiras, pedi a
meu pai para deixar as aulas de violão. Ele aceitou, condicionalmente: que
fosse só um suspiro. Trato feito, trato cumprido. Voltei, em seguida, às aulas
com aquele menestrel enfeitiçador, dos sibilos afinadíssimos que ainda podem
ser ouvidos pelas ruas e vielas de Leopoldina (se você não ouve, é porque não ouviu
Bianor), e não deixei mais o instrumento.
"Felicidade foi-se embora/ E a saudade no
meu peito ainda mora/ E é por isso que eu gosto lá de fora/ Porque eu sei que a
falsidade não vigora". Bianor não só foi um professor de teoria e prática,
músico e arranjador de regionais e orquestras: foi fonte de lições sobre a
música popular brasileira.
Por ele fui apresentado a Pixinguinha, Waldir
Azevedo, Villa-Lobos, Ernesto Nazareth, Jacob do Bandolim, João de Barro, Assis
Valente, Garoto, Chiquinha Gonzaga, Radamés Gnattali, Vinícius de Moraes, Baden
Powell, e a um sem número de artistas brasileiros.
Brasileiros, sempre! Eu já tinha identificava
algumas daquelas árias, pois minha casa sempre foi um ambiente musicalmente
benfazejo. Aquelas melodias me eram familiares.
Contudo, Bianor me possibilitou, obviamente
dentro das minhas restrições de um pequeno aprendiz, a arranhar aquelas notas e
acordes no violão de meu pai, no de minha mãe, os mesmos nos quais meus irmãos
estudavam. Vale lembrar que em minha casa, assim como estantes, armários,
prateleiras, cadeiras, poltronas, sofás, camas, mesas e cristaleiras, os
violões eram mobiliário obrigatório.
Não faço jus a essa cadeira, mas recuso a me
omitir sobre as reparações aqui experimentadas pela Casa de Augusto dos Anjos:
ao Bianor, o trovador flâneur, e ao Iano, poeta primeiro vencedor do I Concurso
Nacional de Poesias Augusto dos Anjos (realizado mais de dez anos antes da
criação da ALLA), passam ao rol dessa academia de letras e artes, não obstante
agraciados pelas sombras do tamarindo.
Não sou poeta, o papel em branco não me tortura,
o que torna meu texto infértil para potências literárias, e por isso volto a
citar.
"Ô, marinheiro, marinheiro/ Marinheiro só/
Ô, quem te ensinou a nadar/ Marinheiro só/ Ou foi o tombo do navio/ Marinheiro
só/ Ou foi o balanço do mar/ Marinheiro só". Bianor foi quem me ensinou a
nadar nas dimensões infinitas do braço do violão; quando me afogo é por que não
tenho mais Bianor. E é ele quem me permite, hoje, voltar a minha casa. "A
minha casa fica lá detrás do mundo/ Onde eu vou em um segundo quando começo a
cantar/ O pensamento parece uma coisa à toa/ Mas como é que a gente voa quando
começa a pensar".
Evoé! Viva Bianor!
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