Cadeira nº 36: Bianor Victor Campos

 

Músico

Discurso de posse do acadêmico Yussef Daibert S. de Campos

Filho de Rita Catarina de Cássia e Gabriel Vitor de Campos, Bianor Victor Campos nasceu em Piacatuba aos 10 de julho de 1924. Em Leopoldina, teve como ocupação primeira a sapataria, antes de prestar serviço militar no Rio de Janeiro, onde provou oportunidades em sua formação naquela que seria sua ocupação perpétua: a música.

Voltando a Leopoldina, formou um Conjunto Regional composto por Bembém no cavaquinho, Edinho no acordeom, Castrogildo na clarineta, Sãozinho e Leco nos primeiros violões (ele no segundo), Delorme e Honório nos pandeiros. Atuou na "Leopoldina Orquestra" e em tantos outros grupos e bandas musicais, também como baixista e arranjador, sendo o atávico professor de violão dessa terra.

De sua união com Hilda Vitório nasceram Norma, Flávio, Beatriz, Ione e Euza.

Nos deixou, fisicamente, em 23 de outubro de 2006, aos 82 anos.

Patrono da cadeira 36, ele fará 100 anos aos 10 do próximo mês, data tão importante quanto o 09/07, efemérides musicais leopoldinenses que merecem mais atenção, assim como outros tantos suportes de nossa evanescente memória coletiva.

Meus pais, Consuelo e Iano, figuravam na vastíssima lista de aprendizes do professor Bianor já na década de 1980. Quando comecei aos seis ou sete anos, era eu mais um aluno em nossa casa a ter os primeiros ensinamentos sobre o pinho e suas seis cordas com ele. Meu pai, patrono da cadeira 35, avocada pela professora Dora Deise Stephan Moreira, foi o grande incentivador para que eu estudasse com o mestre Bianor, como já o havia feito com meus três irmãos maiores – Yuri, Diego e Iano Jr. (também meus encorajadores, pelo simples gesto de empunharem o violão). O menor, Nêmer, não teve a fortuna de ter sido aluno de Bianor; sua mãe, Simone, minha madrasta, felizmente sim.

Bianor caminhava por toda a nossa Leopoldina para professorar música e, ao se aproximar de minha casa, podia vê-lo descendo a Álvaro Bastos Freire, rua sem saída, com seu violão encapado por uma gabardina jeans, assoviando, certamente, melodia de repertório a ser ensaiado, arranjado ou executado em vários dos compromissos previstos em sua agenda.

Com ele, chegava seu sorriso. O professor com mais de sessenta, o aluno aos seis e pouco. Um universo entre nós, só dirimido pelas notas, melodias e letras que reverberavam de Bianor. Ele e violão um só corpo, uma só alma. "Lá vem, lá vem/ Marinheiro só/ Como ele vem faceiro/ Marinheiro só", poderia ser o mote a ilustrar o peregrino de teoria e prática musical de Leopoldina. Solas dos sapatos em dia, percussionistas, apesar das longas caminhadas, pois o primeiro de seus ofícios o permitia cuidar do pouso de seus pés.

Aos meus sete ou oito, incomodado com a disciplina dos horários semanais das aulas e dos estudos que delas abrolhavam, e que me tiravam do meu beco encharcado de crianças e suas brincadeiras, pedi a meu pai para deixar as aulas de violão. Ele aceitou, condicionalmente: que fosse só um suspiro. Trato feito, trato cumprido. Voltei, em seguida, às aulas com aquele menestrel enfeitiçador, dos sibilos afinadíssimos que ainda podem ser ouvidos pelas ruas e vielas de Leopoldina (se você não ouve, é porque não ouviu Bianor), e não deixei mais o instrumento.

"Felicidade foi-se embora/ E a saudade no meu peito ainda mora/ E é por isso que eu gosto lá de fora/ Porque eu sei que a falsidade não vigora". Bianor não só foi um professor de teoria e prática, músico e arranjador de regionais e orquestras: foi fonte de lições sobre a música popular brasileira.

Por ele fui apresentado a Pixinguinha, Waldir Azevedo, Villa-Lobos, Ernesto Nazareth, Jacob do Bandolim, João de Barro, Assis Valente, Garoto, Chiquinha Gonzaga, Radamés Gnattali, Vinícius de Moraes, Baden Powell, e a um sem número de artistas brasileiros.

Brasileiros, sempre! Eu já tinha identificava algumas daquelas árias, pois minha casa sempre foi um ambiente musicalmente benfazejo. Aquelas melodias me eram familiares.

Contudo, Bianor me possibilitou, obviamente dentro das minhas restrições de um pequeno aprendiz, a arranhar aquelas notas e acordes no violão de meu pai, no de minha mãe, os mesmos nos quais meus irmãos estudavam. Vale lembrar que em minha casa, assim como estantes, armários, prateleiras, cadeiras, poltronas, sofás, camas, mesas e cristaleiras, os violões eram mobiliário obrigatório.

Não faço jus a essa cadeira, mas recuso a me omitir sobre as reparações aqui experimentadas pela Casa de Augusto dos Anjos: ao Bianor, o trovador flâneur, e ao Iano, poeta primeiro vencedor do I Concurso Nacional de Poesias Augusto dos Anjos (realizado mais de dez anos antes da criação da ALLA), passam ao rol dessa academia de letras e artes, não obstante agraciados pelas sombras do tamarindo.

Não sou poeta, o papel em branco não me tortura, o que torna meu texto infértil para potências literárias, e por isso volto a citar.

"Ô, marinheiro, marinheiro/ Marinheiro só/ Ô, quem te ensinou a nadar/ Marinheiro só/ Ou foi o tombo do navio/ Marinheiro só/ Ou foi o balanço do mar/ Marinheiro só". Bianor foi quem me ensinou a nadar nas dimensões infinitas do braço do violão; quando me afogo é por que não tenho mais Bianor. E é ele quem me permite, hoje, voltar a minha casa. "A minha casa fica lá detrás do mundo/ Onde eu vou em um segundo quando começo a cantar/ O pensamento parece uma coisa à toa/ Mas como é que a gente voa quando começa a pensar".  

Evoé! Viva Bianor! 

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