Cadeira nº 33: Alziro de Azevedo Carvalho


Professor
Discurso de posse do acadêmico Cláudio Réche Iennaco


A ACADEMIA

Akadémia era um bosque de oliveiras próximo a Atenas, frequentado pelo herói Academus e, posteriormente utilizado por Platão ao ensino da filosofia a adultos letrados.

Firmou-se o termo, no curso da história, com o propósito de denominar sociedades de sábios, filósofos, cientistas e, no nosso caso, escritores e artistas.

Um conceito que vai além dos formalismos, expoentes necessários das intricadas relações humanas, mas que buscou compreender e explicar a existência temporal de uma determinada instituição educativa.

A academia, cujo termo transcende seu caráter original, foi integrada contextualmente em um sistema educativo. Implicada a um universo de gradual evolução humana, o que lhe outorga um sentido relevantemente social.

E de história nós também vivemos. Afinal, um homem sem memória perde de si mesmo a maior parte de sua vida, pois é justamente o que ficou atrás que mais tempo ocupa o sentido de existência.

E nessa multidimensionalidade que alcança a palavra – academia – se estende aos nossos arredores afetivos e nos dirige os olhos da emoção àquela figura monumental que, de tão agregada se tornou à nossa paisagem, parece que existe além da própria cidade.

O símbolo se presta a dar imagem ao signo representativo de algo importante, que faz referência e explicita a relevância daquilo que projeta um fragmento, individual ou coletivo, do que se escolhe como referência.

E, de todos os nossos símbolos, há que se dar, por força de sua opulência e importância, a condição de máxima referência ao Ginásio Leopoldinense.

Todo o seu significado se expressa nas formas físicas de seu prédio, dotado de arquitetura imponente, de escancarada monumentalidade e cujo propósito sempre foi o de impulsionar a ideia de formação de grande parte dos nossos conterrâneos e amigos.

“(…) e tão majestoso é ele que muita gente pensa que Leopoldina é apenas o Ginásio”, disse Barroso Júnior em 1943.

O LEOPOLDINENSE

Os regionalismos são condições interessantes. Indicam uma “personalidade coletiva”, um espírito de corpo que faz com que determinada pessoa se identifique pelo pertencimento, e que a coletividade se individualize pela soma das similaridades de todos os pertencentes.

E o Leopoldinense é um povo orgulhoso, que vez ou outra se ressente de um passado que, idealizado ou real, impactou nas ausências e carências recentes. Mas que, pelo esforço conjunto, vem sendo mitigadas como fruto de trabalho consciente e parcimonioso.

Houve, e ainda há, por parte dos que não são originários dessa terra, a percepção de que aqui também se colhem bons frutos.

Assim talvez tenha imaginado o Professor Alziro de Azevedo Carvalho.

Nasceu em 28 de fevereiro de 1910, na fazenda Santa Catarina, situada na Vila de São Miguel, Guaçui, Estado do Espírito Santo.

Alziro cursou o primário em escola particular, localizada nas vizinhanças da fazenda onde nascera, e também em escolas públicas e particulares da Vila de São Miguel.

Nos anos de 1923 e 1924 frequentou Ginásio de Alegre, também no estado do Espírito Santo.

Um ano depois, em 1925, matricula-se no Ginásio São Joaquim, da Congregação de Dom Bosco, em Lorena, Estado de São Paulo.

Após completar 15 anos, Alziro chega à Leopoldina com fins de se matricular no segundo ano Ginasial e nos anos seguintes faz o curso Comercial.

Em 1930 retorna ao seu estado natal e inicia o magistério de Inglês e Contabilidade no Liceu Pedro Palácios, em Cachoeiro do Itapemirim.

Mas eis que, no ano de 1931, aos 21 anos de idade, é convidado pelo então diretor do Ginásio Leopoldinense, o Professor Carlindo Alvarenga Mayrinck, para aqui, em nossa cidade, ministrar aulas de Inglês e Contabilidade.

Mais ainda, o agora Professor Alziro também passa a exercer a função de enfermeiro naquela instituição de ensino.

Como recompensa ao seu empenho, assume a chefia de disciplina e, posteriormente, galga a Vice-Diretoria da Escola.

Então como vice-diretor, em 1934 funda a Liga Esportiva do Ginásio Leopoldinense, cujo hino revela o brocardo "Mens Sana in Corpore Sano".

Já com as raízes fincadas nesse lugar que, de fato tornou-se o lar por afinidade, em 1937 casa-se com Anita Iennaco, vindo aqui a estabelecer, de forma definitiva, o embrião de uma nova família leopoldinense.

Então, chega o ano de 1943, quando o Professor Alziro assume a direção do Colégio Leopoldinense.

Durante sua gestão, o agora Diretor, transformou o curso Comercial Básico, constituído de curso Propedêutico e curso Auxiliar de Comércio, funcionando anexo ao Colégio Leopoldinense, em Escola Técnica de Comércio, independente e garantindo aos seus egressos o diploma de Técnico em Contabilidade. Além dos cursos Clássico e Científico.

Digno de referência, por certo, foi o momento em que, como diretor do Colégio Leopoldinense, promoveu sua transição de instituição privada, inserindo-a na rede pública de ensino, com a intermediação da Igreja Católica à época.

E como marco derradeiro de seu vínculo com a Instituição, em 1994 como presidente de honra da Associação dos Antigos Alunos do Ginásio Leopoldinense, é signatário de ofício endereçado à Secretária de Cultura do Estado de Minas Gerais buscando a proteção definitiva do prédio pelo seu tombamento. O que de fato vem a ocorrer dois anos depois.

Enveredando pela vida pública, em sua atuação política, foi vereador por 8 anos, exerceu o cargo de vice-prefeito e também Presidente de Honra do PTB em Leopoldina.

Alziro de Azevedo Carvalho, tio-avô por afinidade, empresário por quatro décadas e, acima de tudo, professor, foi por mim escolhido como Patrono no momento em que ocupo a cadeira de número 33 da Academia Leopoldinense de Letras e Artes.

E a justificativa da escolha se consolida, como não poderia deixar de ser, pelo caráter simbólico que sua figura passa a representar neste e em outros contextos.

Embora de forma breve, a convivência com Tio Alziro ainda é capaz de trazer à memória fatos que avivam o sentimento nostálgico, que evoca uma época onde o tempo corria com muito menos pressa.

Abro parêntesis para mencionar que, das conversas com a Tia Anita, surgiu o interesse nas origens da família. O que resultou na valiosa publicação do Rodrigo que conta, com precisão, grande parte do caminho percorrido pelos nossos antepassados até os dias atuais.

Uma casa acolhedora, com quintal espaçoso. A criação de galos exóticos que despertavam nossa curiosidade. E, inclusive, a lembrança dos meus aniversários, que sempre rendiam como presente uma caixa de guaraná Antárctica.

Alziro de Azevedo Carvalho, como educador, também simboliza nessa ocasião a importância que esses obstinados servidores da sociedade merecem ter reconhecida.

Pessoas que, de forma inconcebível, vem sendo alvo de manifestações injuriosas, que, queiramos todos nós, passem a ocupar somente o espaço necessário à certeza de que devem ser combatidas atenta e energicamente.

E, nesse momento, aproveito o espaço para prestar homenagens, na figura do então Patrono da Cadeira 33, a todos aqueles que dedicaram e dedicam insubstituível tempo de sua existência ao propósito de um Brasil mais justo e digno.

Aos profissionais que se empenham na nobre arte do magistério que, tal qual o sacerdócio, só é capaz de elevar os espíritos dos jovens se praticada com honestidade intelectual e pureza de caráter.

Professor Alziro não é filho natural de Leopoldina. Mas aqui encontrou solo fértil para seu crescimento. Contribuiu cultural, econômica e politicamente para o desenvolvimento da cidade e em nossa terra permaneceu até seus últimos dias, aos 86 anos.

Casou-se e constituiu família, alicerçando de maneira definitiva o seu propósito de fazer parte dessa história que encanta não só seus expectadores, mas também quem dela é personagem.

AS LETRAS

Nas letras, com a licença àqueles que delas fazem sua matéria-prima, ninguém que por aqui percorre pode se furtar das honras devidas a Augusto dos Anjos.

Mas de suas letras não pretendo falar.

Por curioso, quando de sua chegada à cidade para ocupar a direção do Grupo Escolar, em 1914, houve manifestação de protesto do então redator do jornal local “O Novo Movimento”, que considerou a contratação como uma “injustiça que feria o regulamento da instrução”.

Disse o redator, cujo nome não fui capaz de apurar:

“(…) Não podemos nos calar ante a clamorosa injustiça do governo, preferindo para nomeação um cidadão inteiramente alheio ao magistério mineiro (...)”

Mas, superada a indignação manifestada e, supostamente em razão de sua morte precoce cuja herança é representada na publicação do EU, hoje Augusto dos Anjos é, também, um celebrado leopoldinense.

O Poeta, assim como todos que perseguem a sabedoria, forma fileira opondo resistência heroica ao obscurantismo que teimou em se fazer de forte em tempos recentes.

Mas não há escuridão que seja invencível quando confrontada com a honestidade e boa-fé que os filhos das ciências, da literatura e da cultura.

AS ARTES

“Toda arte e toda a filosofia podem ser consideradas como remédios da vida, ajudantes do seu crescimento ou bálsamo dos combates: postulam sempre sofrimento e sofredores”.

Com esse aforismo, Nietzsche propõe, numa interpretação pessoal e limitada, que a arte guarnece as defesas necessárias contra males dos mais diversos.

Como remédio da vida, a arte deve ser importante ferramenta de resistência contra a desinformação, a ignorância e a estética obscurantista.

Ao se tornar a expressão do espírito de um povo, de uma época, as artes atuam como instrumentos de sua dignidade, numa manifestação audiovisual de sentimentos cujos sentidos humanos captam sob a ótica da emoção.

Impossível contestar a grandeza, e tento afastar aqui determinismos de ordem cultural, da Ária da Quarta Corda, com a qual Bach eleva todos os espíritos a um ser superior.

Tampouco é equivocado equiparar ao clássico barroco a Súplica Cearense, quando Luiz Gonzaga pede, cantando em oração, que o divino interceda pelo povo que sofre com a seca no sertão nordestino.

Assim como a Plebe Rude, a Legião Urbana e a juventude oitentista se somou à Tropicalha na insurgência contra a repressão vigente no Brasil, Pablo Picasso pintou a Guernica. Obra emblemática que, como um apelo ao antimilitarismo mundial, ecoa num grito de revolta aos horrores da Guerra Civil Espanhola.

Ariano Suassuna e Garcia Marquez, cada qual no seu canto da América Latina, levantam suas cidades, naturezas e culturas num movimento de resistência anti-imperialista, contando as belezas tropicais e incitando a autodeterminação dos nossos povos.

É essa a síntese das impressões e certezas que me convêm apontar sobre quem, de forma generosa, me acolheu entre os seus.

E que todos nós, nas nossas diferenças e individualidades, continuemos buscando adquirir e oferecer o quanto possível, em forma de Letras e Artes, a beleza, a ciência e o progresso ao povo de Leopoldina.

Reforço meus agradecimentos a todos os presentes e aos membros da Academia Leopoldinense de Letras e Artes.

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