Gostaria de agradecer a presença de todos e todas aqui nesta noite, acolhidos na casa onde viveu o poeta Augusto dos Anjos. Também agradeço a amiga Natania Nogueira, por realizar o convite formal de posse e pela sensibilidade de suas palavras. Especialmente, agradeço à Academia Leopoldinense de Letras e Artes; aos acadêmicos e patronos, encarnados e desencarnados, pela confiança depositada em mim e em meu trabalho para ocupar a cadeira de nº 38 do patrono
Ignácio de Castro Buena Flor;
Poeta visual e plástico, não exatamente de sonetos e versos, mas pelo dom de seu fino tato. Atento aos detalhes, produziu sensíveis entalhes em alto relevo, devoto e meticuloso em seu delicado ofício; considerado um exímio pintor e entalhador. Com a paciência e a poesia de seus dedos, materializou, em certa medida, um dos sentimentos mais íntimos e subjetivos da humanidade: a fé, arquitetando e esculpindo altares de Igrejas na Zona da Mata mineira.
De nacionalidade portuguesa, Buena Flor nasceu em 1847 na província de Beira Alta, enraizando-se, por assim dizer, em Leopoldina, lugar onde morou grande parte de sua vida e onde produziu, no final do século XIX, suas mais importantes obras; dentre as quais, o altar da Igreja Matriz, transferido para a capela do antigo Colégio Imaculada Conceição em 1920, e o altar da Igreja do Rosário.
Minucioso e apoteótico; com precisão simétrica dos entalhes, Buena Flor compreendia, assim suponho, a natureza divina na dimensão interior de sua criação; conceber uma conexão visual e palpável da divisa entre os planos terreno e espiritual, ofício que exige do artista a capacidade de olhar o mundo, enxergando além de seu horizonte.
Na ausência de registros físicos e materiais de suas obras, contemplamos fotografias ou, muitas vezes, as palavras, descritas por aqueles que puderam, pela sorte ou pela fé, observá-las de perto; experiência, decerto, divina e catártica. Com ornatos abrilhantados pelo dourado, desde o embasamento ao coroamento do altar, a profusão dos detalhes, tangíveis entalhes em movimento, colunas simétricas equilibrando o corpo da obra, elevavam, por certo, a natureza da alma do indivíduo a observar.
Descrito como um trabalho “primoroso”, dos altares esculpidos por Buena Flor para as Igrejas de Leopoldina, pouco se soube sobre seus paradeiros, e o que se sabe, permanece ecoando na memória coletiva: o silêncio eterno de seu desmembramento.
Ignácio de Castro Buena Flor faleceu em 1920, em Leopoldina. Mais de um século após, sua voz perdura em ressoar, especialmente para nos lembrar da pertinente urgência de salvaguardarmos às futuras gerações o patrimônio histórico e artístico, material e imaterial de Leopoldina, sobretudo na contemporaneidade; o período que vivemos atualmente, onde casarões centenários, obras de arte, teatros, bibliotecas e museus resistem ao risco iminente de desaparecer no sorrateiro sigilo da noite, dando lugar, já no clarão de repente do dia, aos enormes prédios sem memórias, que cobrem paulatinamente as vistas daqueles que escolheram enxergar para além do horizonte.
Muito obrigado.
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