Há 30 anos, por iniciativa da nossa querida Maria Helena Vieira Campos - bibliotecária da Biblioteca Municipal Luiz Eugênio Botelho que marcou diversas gerações com seu trabalho eficiente e atencioso numa época em que consulta para escola era apenas na biblioteca mesmo - teve início o Concurso de Poesias Augusto dos Anjos. De lá pra cá, o concurso tomou uma expressão inimaginável na época da sua primeira edição e hoje faz parte do calendário de eventos da cidade conjuntamente com atividades literárias e culturais promovidas pela Secretaria Municipal de Cultura.
No dia 10 de novembro de 2021, na abertura da Semana Cultural Augusto dos Anjos, contamos com a participação do leopoldinense Cláudio Réche Iennaco, que proferiu algumas palavras sobre Augusto dos Anjos e gentilmente nos cedeu seu discurso para publicarmos.
Assim, para marcarmos um reinício das atividades da ALLA após um tempo de inatividade por causa da pandemia do COVID-19, segue uma homenagem ao patrono de nossa Academia nas palavras do amigo Cláudio.
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“Pela presente, nós, abaixo-assinados, Glória Fialho dos Anjos Cruz e Guilherme Augusto Fialho dos Anjos, filhos do poeta AUGUSTO DOS ANJOS, tornamos público, junto às dignas Autoridade Municipais, civis e militares, da cidade mineira de Leopoldina e perante as demais classes sociais, religiosas e políticas que integram o valoroso e boníssimo povo leopoldinense, o propósito irrevogável de não consentirmos sejam trasladadas do cemitério dessa cidade as cinzas de nosso glorioso pai, que ali jazem, sob o túmulo nº 149, desde o ano de 1914.”
EXMO.
SR. PREFEITO DE LEOPOLDINA
PEDRO
AUGUSTO JUNQUEIRA FERRAZ, em nome de quem saúdo todas as demais autoridades e
convidados aqui presentes. Boa noite.
Era o
dia 15 de setembro de 1977 quando o então presidente da Câmara, o vereador
Antonio de Paula Junqueira Ferraz, recebe da família de Augusto dos Anjos uma
carta de agradecimento.
A fim
de contextualização, naquela época, o governo da Paraíba empreendeu tentativa
de realizar o traslado dos restos mortais do Poeta, sepultados no Cemitério
Nossa Senhora do Carmo, em Leopoldina, para o seu Estado natal.
No
entanto, indelevelmente gravados na nossa história, estão esses 44 anos
passados desde que, respeitada a vontade de Augusto, o povo de Leopoldina se
mostrou firme no propósito de considerar a nossa terra como também o derradeiro
lar daquele “que ficou sozinho cantando sobre os ossos do caminho a poesia de
tudo quanto é morto!”
O
Poeta de Um Livro Só, de fato, cantou sempre a poesia de tudo quanto é morto. Jamais
foi alheio aos ossos que atravessaram seu caminho mas, nunca enquanto esteve
por aqui, ficou sozinho.
Prova
disso é que, para que sejam rendidas as devidas homenagens a Augusto dos Anjos,
evoca-se, sem surpresa alguma para nossos conterrâneos, a saudosa memória do
professor e artista plástico Luiz Raphael Domingues Rosa.
Esse
mesmo artista que fora eternizado nos versos de outro artista, Antônio
Sérgio Lima Freire, o Serginho do Rock, como o “Mago das Cores”. Ou “um
certo Arcanjo que ocupa o Espaço dos Anjos”.
Mas,
como ele próprio gostava de ser reconhecido, era o “Mordomo de Augusto”.
E é
nesse momento que pedimos licença a todos para confessar que não pretendemos,
com essa breve exposição, alcançarmos a profundidade que a análise da vida e,
mais ainda, da obra de Augusto dos Anjos exige daqueles que demonstram coragem
e ousadia para se aprofundar na alma dessa complexa personalidade.
Aqui,
o que buscamos é o momento e o espaço para expressar o sentimento puro que manifesta essa simbiose que,
naturalmente, se formou entre Augusto dos Anjos e a cidade de Leopoldina.
Hoje
não é mais possível imaginar um sem a presença
do outro.
Existem,
claro, aqueles que se dedicaram, e ainda se dedicam, a estudos detalhados e
extremamente importantes sobre seu único livro, a expressão definitiva de sua
criação.
Mas,
mesmo assim, sempre permanecem alguns mistérios estilísticos, enigmas e
sensações conflitantes. Curiosidades e perplexidades, já que o Eu é,
definitivamente, uma obra incômoda e chocante para seus leitores.
A
nenhum estilo sua composição pertence, mas vários ela absorve e os despeja de
volta sob os olhos dos leitores.
Foi
por trilhar o caminho do oculto e do sombrio que, certamente, Augusto se
mostrou único e inigualável em sua breve vida produtiva.
Um
paradigma da máxima erudição possível, lapidando a métrica dos versos, as rimas
e estrofes como se fossem diamantes, e apresentando verdadeiros tesouros nas
páginas do Eu.
Mas
quanto a nós, a minha geração, que pouco sabíamos do que quer que seja,
nos anos 80 sob as colunas da Escola Estadual Professor Botelho Reis – o eterno Ginásio Leopoldinense – quando lá estivemos
como alunos, pudemos nos aproximar de sua poesia estranha, macabra, científica,
metafísica e filosófica.
Uma
poesia considerada de inspiração Schopenhaueriana pelo seu pessimismo, conforme
nos mostram aqueles mais capazes, que tentam descortinar o véu de sua criação.
E, dessa
forma, por mais ininteligível que ainda seja, essa mesma poesia foi capaz de
despertar um saudável interesse nos alunos de literatura que, ao desbravar tímida
e curiosamente essa intrigante faceta da cultura brasileira, foram apresentados
a um novo universo.
Na
época, vivenciamos a experimentação de um grande incômodo existencial como se
fosse um soco no estômago.
Houve
um verdadeiro choque entre a imaturidade adolescente e a grandiosidade de um
vocabulário que não coube, e jamais caberia, nas limitações que nos afligiam os
intelectos.
A
morte é um tema constante. A biologia e o materialismo. A desolação, o desprezo
às futilidades do cotidiano. As alusões às civilizações antigas, aos mistérios
metafísicos. A descrença na humanidade.
Apesar
disso, seu texto ainda encontra como companheira, mesmo que em breves momentos,
uma verve ecológica e, quase escapando aos menos atentos, até se nota um tênue
fio de esperança, ainda que de forma fugaz.
Mas
logo o Poeta retorna à sua condição de desiludido com a raça humana, e se
mantém firme no intento de causar mal-estar aos seus leitores.
É quando se questiona a gênese de tanto pessimismo, o
porque de uma temática que teima em se afastar do belo.
Esse
mesmo belo que é motivo comum nas composições poéticas.
Eis,
então, que recebemos dele, Augusto, a certeza
de que: “A Esperança não murcha, ela não cansa, Também como ela não sucumbe a
Crença, Vão-se sonhos nas asas da Descrença, Voltam sonhos nas asas da
Esperança.”
Malgrado
o incômodo e, justamente em razão dele, renovou-se em um passado bem próximo, o
interesse local pela arte da poesia.
Pouco
importando o talento nas rimas, já que não havia nenhuma pretensão em nos
fazermos poetas, nem tampouco impressionar os leitores.
Mesmo
assim, vários de nós nos aventuramos, em meados da década de 80, num recital de
poesias dos alunos do Ginásio Leopoldinense, que teve como palco o tradicional
Salão Dom Bosco, vizinho à Igreja do Rosário.
Como
num ciclo cármico, a memória de Augusto foi assim transportada para uma nova
geração, que a cultivou em outras poesias, em teses de mestrado, livros e,
junto a outras gerações mais antigas, fez com que o Concurso Nacional de
Poesias Augusto dos Anjos se tornasse significativo difusor de cultura,
inclusive, para outros países.
E, ao
mencionar o Concurso de Poesias, saudosamente surge a lembrança da Sra. Maria
Helena Vieira Campos, bibliotecária e responsável pela guarda de uma das
primeiras edições do Eu e Outras Poesias.
Exemplar
cuidadosamente depositado como um verdadeiro tesouro na Biblioteca Municipal
Luiz Eugênio Botelho, que, na época, se localizava no segundo pavimento do
Ginásio Leopoldinense, dividindo espaço com o Conservatório Estadual de Música
Lia Salgado.
Num
gesto de ousadia, em 1992, Maria Helena tomou para si a responsabilidade de
liderar a comissão organizadora do Primeiro Concurso de Poesias Augusto dos
Anjos, realizado no dia 28 de outubro daquele ano.
Naquele
mundo ainda analógico, o que era passado voltou à moda.
Nas
variações incidentes nas poesias apresentadas, ora se notava, implícita ou
explicitamente, a vontade de homenagear o grande Artista.
Jovens
estudantes, entre outros já iniciados nesse mundo, tomavam como expoente de uma “modernidade tardia” a obra
publicada em 1912 que, ironicamente, pouca repercussão gerou à época.
Então
novamente se deu início a um ciclo de criatividade literária, alcançando um
mundo novo, quando a sonoridade dos versos de Augusto voltou a aguçar a
necessidade de uma atenção multidisciplinar, por vezes frustrante diante da puerilidade de sua nova audiência.
Mas,
mesmo assim, aqueles versos jamais foram considerados enfadonhos ou comuns, já
que “ninguém doma um coração de poeta!”
Agora,
vão-se 109 anos desde que o Eu e Outras Poesias veio ao mundo.
107
anos desde que Leopoldina conheceu, acolheu e se tornou a última morada de
Augusto dos Anjos.
Cerca
de 4 décadas se passaram do tombamento da casa que abrigou o Poeta e sua
família, quando de sua vinda.
O
mesmo tempo se passou desde que Luiz Raphael se tornou o Mordomo de Augusto,
atuando como um curador incidental dos espólios e da memória do Poeta, desde
então habitando o Espaço dos Anjos.
Já se
foram 29 anos do primeiro concurso de poesias Augusto dos Anjos que, se
superando em cada uma das suas edições, hoje alcança o mundo como terreno
fértil para o cultivo e divulgação da arte.
AUGUSTO
DE CARVALHO RODRIGUES DOS ANJOS, o poeta da Morte, dos temas sombrios e
herméticos, incômodos e pessimistas, apesar de finado tão jovem, aos 30 anos,
eternizou-se como parte da atmosfera que abastece de inspiração várias
descendências de leopoldinenses, natos ou não.
Sua
obra e sua vida são importantes legados.
Agora,
mais que nunca, recebendo o devido valor que tanto merecem, em retribuição ao
que são para Leopoldina, representada pelos seus filhos que aqui estão, que se
foram e que ainda virão.
Agradecemos
a Matheus Valverde, pelo convite para a participação neste belo evento.
A
Sérgio Soares, pelo reconhecimento da importância da preservação da memória do
Poeta e o empenho para que isso se tornasse realidade para nós.
E,
principalmente, agradecemos ao prefeito de Leopoldina, Senhor Pedro Augusto,
pela sua postura firme e aguerrida, sempre considerando como parte indissolúvel
do nosso projeto de desenvolvimento o valor da cultura, da educação, do
conhecimento e da arte que existe em nossa cidade.
“Aproveitamos este ensejo para reiterar ao povo de Leopoldina o nosso profundo sentimento de gratidão pela veneração, pura e sincera, sempre devotada à memória de AUGUSTO DOS ANJOS a quem, nos derradeiros meses de sua vida, jamais deixou de dar inequívocas provas de solidariedade, que se estenderam, após a sua morte, à viúva e aos seus dois filhos, ao longo de muitos anos, em que recebemos expressões de estima e decisivo apoio moral em momentos difíceis.”
Nas palavras de Glória e Guilherme Fialho, filhos do Poeta.
Cláudio Réche Iennaco