OPSÍGONO
Autor: André Telucazu Kondo
(Jundiaí/SP)
Pseudônimo: Jeremias Sanlape
Intérprete: Luciano Rodrigues
I
Meus
opsígonos dentes
só nasceram
para o
incômodo ato de preencher
vazios
sorriso
tardio – que ninguém vê
Um galho
sobre o muro foge pela calçada
mãos de
crianças em aurora
com pequenos
molares ávidos
trituram as
amoras
brutalmente
elas ainda
não sabem
que as amoras
foram feitas
pra se
dissolverem gentilmente, sem pressa?
O céu-da-boca
testemunha as
amoras
mas nunca
saberá
o que só a
língua sente
no chão
II
Por que o
olhar dela revelado
na moldura
dos anos
ainda busca o
meu olhar?
não são cegas
as imagens
pregadas nas
paredes
como cristos
alheios?
Não é
silêncio
a boca em
eterno riso
de uma foto
matrimonial
em que o sim
disparado
atinge como
um nunca mais o coração?
A maquiagem é
a poeira
que esmaece o
vítreo rosto
quando a cor
partiu?
Da janela, as
amoras
desafiam o
desbotado dos dias
ninguém se
importa
III
Reluto em
exumar as lembranças
daquele
túmulo em forma de arca
o baú dela
quando aberto
tem forma de
boca
que não sorri
apenas devora
os dias
por isso me
afasto
para não ser
devorado
nem o
espanador o toca
a dor não
pode ser espanada
as penas
supõem leveza
e não há mais
voos
guardados
Toda a
consorte herança
inventariada
como se tudo
o que vivemos juntos
pudesse ser
catalogado
em trastes
eis aqui
quinze mil e seiscentos pores do sol
cinquenta e
três dúzias de rosas brancas
trinta e sete
viagens ao mar
trezentos e
um jantares no pequeno restaurante da esquina
umas tantas
mil amoras colhidas
e nenhum
filho
Mais do que
as coisas de dentro
do velho baú
o pó sobre o tampo
tem mais
memória...
e guarda o
sorriso
que jamais
sorri.
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