Atividade em Homenagem ao Centenário de Morte de Augusto dos Anjos, sob direção da acadêmica Begma Tavares foram apresentadas duas comunicações no dia 14 de novembro de 2014.
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sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015
terça-feira, 24 de fevereiro de 2015
Seiva de Luz também homenageou Augusto dos Anjos
O grupo de teatro leopoldinense criou, produziu e apresentou, no dia 12 de novembro de 2014, no Auditório do CEFET, a peça Augusto em Cord´Eu. Aqui apresentamos algumas imagens do evento.
sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015
12 de novembro de 2014: há cem anos, morria Augusto.
A Secretaria Municipal de Cultura, Esporte, Lazer e Turismo fez o lançamento de Placa e Selo comemorativos desta efeméride, seguindo-se a entrega do título de Cidadão Leopoldinense ao escritor Alexei Bueno. À tarde, foi realizada visita ao túmulo de Augusto dos Anjos, com declamação de poesias por alunos do Centro Educacional Conhecer e da Escola Estadual Augusto dos Anjos.
terça-feira, 10 de fevereiro de 2015
Quadrinhos e Augusto: mesa redonda
Foi realizada no dia 11 de novembro de 2014, no Anfiteatro Luiz Raphael do Museu Espaço dos Anjos, mesa redonda mediada pela acadêmica Glaucia Costa. Participaram Jairo Cézar, de Sapé (PB), autor do livro Augusto dos Anjos em Quadrinhos; a acadêmica Natania Nogueira, de Leopoldina (MG); e o professor Guilherme Garcia, de Belo Horizonte (MG).
quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015
Augusto dos Anjos em Quadrinhos
Na noite do dia 10 de novembro de 2014, como parte das Homenagens pelo Centenário de Morte de Augusto dos Anjos, a Energisa trouxe a Leopoldina o escritor Jairo Cezar, Secretário Executivo de Cultura do município de Sapé, PB, terra natal do poeta, autor do livro Augusto dos Anjos em Quadrinhos.
segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015
Amostragem Poética
Anderson Braga Horta
I — BALIZAS DE UM
CAMINHO
UM
OLHAR
Aves de
arribação, que passais tristes,
que buscais o
calor de novos lares...
aves de
arribação, acaso vistes
as asas de um
amor cortando os ares?
Se da esperança
a voz sumida ouvistes,
se lágrimas de
luz brotando aos pares
de ocultos
arquipélagos sentistes,
nos vôos rente
ao dorso azul dos mares,
dizei-me onde é
que estão, porque são minhas!
... No entanto
elas se foram, tênues linhas
já prestes no
horizonte a mergulhar.
Não
responderam... Nem sequer me olharam.
Mas diz o
coração — que naufragaram
na profundeza de
um celeste olhar.
(1950)
UTOPIA
Que saudades,
meu Deus, de uma terra infinita,
terra que nunca
vi, onde em luzes se agita
o pássaro do
amor, a pulsação das almas!
Meu país ideal,
que do deserto as palmas
não beijaram
jamais... Terra do sol nascente,
da perpétua
alvorada, onde brota a semente
sempiterna do
amor, dos sonhos e da vida!
Pátria da
primavera! ó luz desconhecida,
que do
insondável desce e nos penetra fundo
a alma pequena e
vil, no globo vil e imundo,
como a purificar
a sordidez da Terra!
essência
imaterial, que em nossos peitos erra,
do espírito, do
amor, da própria eternidade!
Oh! que universo
encerra a nação da Verdade,
terra das
ilusões perpetuamente em vida?
Vive em brumas,
talvez? nos báratros perdida?
Do próprio
coração —esse pego profundo
debatendo-se em
vão nas borrascas do mundo—
a Humanidade
ansiosa aos céus lança este grito:
“Senhor! Senhor!
dá forma e dá vida a este mito!
Concretiza este
sonho, essa terra ideal,
pátria do céu
azul, da ventura eternal,
país que traz no
seio, insondáveis, perdidas,
primaveras de
luz, fantasias floridas!”
E este grito se
perde e esvai-se pelos ares,
do deserto à
floresta e dos rios aos mares.
Mas eu sinto no
peito uma ânsia infinita,
um desejo
profundo, e tenho a alma fita
numa estrada sem
fim, cercada de ciprestes,
inundada de luz
e de aromas agrestes,
na reta que se
perde além dos horizontes,
resplendente da
luz de incognoscíveis fontes
a jorrar, em
cachões, numa espectral coorte...
E eu vejo esse
país nas veredas da Morte.
(1951)
NAVEGAÇÃO
Cintila a noite
azul, povoada de estrelas.
Nos olhos do
Universo ardem chispas de luz.
Velas pandas no
espaço, as ástreas caravelas!
Pelo éter
infinito a Via Láctea as conduz
—correntes do
Alto Oceano— a ocultos portos. Velas
pandas na
escuridão! Nos longos braços nus
o Cruzeiro do
Sul a ignotas Compostelas
vai carregando o
corpo etéreo de Jesus.
A pálpebra do
luar fechou-se. Um manto baço
de nuvens cobre
o céu. No entanto, em todo o espaço
ardem
constelações — além dos olhos meus.
E eu sonho os
mil milhões de universos pulsando,
naus do imenso
Oceano, ardentes navegando
para o eterno
esplendor das voragens de Deus!
(1952/1979)
DIA APÓS NOITE
Vendo o azul,
que dilúculos augura,
da madrugada, e
a mágoa do sol-posto,
quedo-me triste,
e penso, com desgosto:
O mesmo céu, que
é berço, é sepultura.
Assim também, um
dia, no teu rosto,
nos teus olhos
de cálida brandura,
vi tua alma a
acenar-me, inda mais pura
sob o véu do
cabelo descomposto.
Como a noite,
porém, sucede a aurora,
tu me fugiste, e
a luz, que me envolvia,
nas trevas se
tornou em que ando agora.
Retorna entanto
o sol, que antes morria.
E a minha alma,
por isto, já não chora,
mas espera o
raiar de um novo dia.
(1953)
O
CEMITÉRIO DE ELEFANTES
I
Vem silente o
tropel dos tardos elefantes.
(África ardente!
Aqui a vida, vária e incerta,
pulula no solar
da floresta referta
e enche a
desolação dos ermos palpitantes!)
Monótono, ao
calor, sob a amplidão aberta,
segue o rebanho.
Em grupo, estranhos caminhantes
passam, longe.
Esvoaça a alvura dos turbantes.
Melodias de fogo
o sol, triste, concerta.
De repente, um
clamor assombra os horizontes.
Desordenada,
agora, a procissão caminha,
com a fúria dos
leões, estremecendo os montes.
E em grita,
arruinando as florestas austeras,
eis estoura a
manada, em cólera daninha,
espantando os
chacais e amedrontando as feras!
II
Súbito um deles
pára. Arquejando, sombrio,
com um mudo
olhar de adeus, vai deixando a manada.
Pesa-lhe o ar. A
terra aos pés lhe some. E em cada
árvores algo de
si vê, no seu desvario.
No cérebro do
bruto, em célere revoada,
relampejam
visões do passado. Vazio,
o olhar agora vê
na corrente do rio
o destino da
vida... O fim que o espera é o nada!
A selva onde
nasceu, as planícies que amava,
o céu, a luz, o
ardor da natureza brava,
tudo isto nunca
mais, nunca mais há de ver.
Mas aonde vai,
que marcha e tropeça e rasteja?
Que fruto derradeiro
inda provar deseja?
Que migalha de
vida inda ele quer colher?
III
Eis fronteiro ao
destino o bruto moribundo.
Ao pé de uma
cachoeira, o olhar embebe, aéreo,
além da água
irisada. Onde está? Que mistério
o trouxe a este
lugar de que não sabe o mundo?
Atravessa o
caudal. Do outro lado, no fundo,
uma clareira se
abre. Um templo? um cemitério?
O ar, grave e
sepulcral como o de um monastério,
agita-se,
ferindo o silêncio profundo.
Pára, hesita o
elefante, entre brancas ossadas,
às centenas no
chão. Fraqueja, desfalece,
já sentindo na
fronte o anélito do fim.
E sereno,
fechando as órbitas vidradas,
pesadamente cai
no solo, que estremece,
entre arcos de
granito e presas de marfim!
(1953)
AS CIGARRAS
ESTÃO CANTANDO NOVAMENTE
As cigarras estão
cantando novamente.
E eu saí para
ouvir o canto das cigarras...
Uma aqui, outra
ali, monótonas, bizarras,
zinem, fremem
assim melancolicamente
como folhas
caindo à luz frouxa do poente.
Hoje a tarde
está límpida e suave,
da leveza pagã
de uma aquarela...
Uma cigarra geme
uma nota mais grave.
E uma folha
amarela
inexplicável
rasga
verticalmente o quadro da janela.
O mar,
imperturbável,
beijando
longamente a costa atlântica,
dança, plácido,
ao som de uma canção romântica
trazida pela mão
sonâmbula da brisa.
E, aos murmúrios
que vêm da profundeza oceânica,
a tarde
agonizante se eletriza.
De repente,
numa fúria
satânica,
um grito de
volúpia estremece a atmosfera,
como se a
maldição de uma cratera
desabasse na
calma do crepúsculo!...
Mas a angústia passou,
efêmera e nervosa,
como passa a
poesia de uma estrela cadente.
Numa agonia
vagarosa
a tarde vai
morrendo. Um pontinho minúsculo
rompe as nuvens.
Depois, languidamernte,
milhões de
estrelas jorram no infinito.
Uma última
cigarra, impertinentemente,
ensaia ainda um
fretenir aflito.
E eu, que vim
para ouvir o canto das cigarras
monótonas,
bizarras,
volto ouvindo o
esplendor de uma orquestra divina,
que aos poucos
vai morrendo em trêmula surdina...
(1955)
O
TOCADOR DE REALEJO
De repente
melodia estranha
avassalou meus ouvidos
como descida dos
céus.
Olhei em volta,
num deslumbramento.
Era a primeira
vez que via um realejo.
E toda a rua se
maravilhou
e crianças
surgiram não se sabe donde
e o céu desceu à
terra
e o mundo
parecia salvo!
O macaquinho em
cima do instrumento fazia piruetas, sério,
cônscio de seu
papel na alegria geral.
Homens
satisfaziam-lhe o pires estendido.
Mulheres
tagarelavam e crianças apontavam sorridentes com o dedo.
A multidão se
dispersou lentamente
sem que ninguém
notasse o velhinho de barbas brancas tocando a
manivela.
(1956)
LABIRINTO
Nem com os não
merecer não nos perdera.
E, pelos possuir
sem merecer,
as mesmas penas
sofro que sofrera
por, outrora,
querê-los e os não ter.
Ah! quem tal
turvamento me entendera!
Em pranto,
sinto, sem o compreender,
que eles são
velas me esvaindo em cera,
velas em cuja
luz arde o meu ser.
Penso que vou
morrer, que o sol me apaga.
Olho-os, e
ferem-me as pupilas deles;
beijo-os, e,
então, sonegam-me o calor.
Não profundemos
mais tão funda chaga!
E, pois que
tanto mal me fazem eles,
devolvo-te os
teus olhos, meu amor.
(1957)
TROVA
Vida
melhor não existe
que a das
cigarras: à toa,
cantando se a
vida é triste,
cantando se a
vida é boa.
(1963)
II — ALGUNS POEMAS
SOBRE POESIA
GÊNESIS
Fruto de
estranho sonambulismo,
grave e sombria
como um altar,
minha poesia
nasce do abismo
onde em
desmaios, enquanto cismo,
brilham suaves
lendas de luar...
Nasce do fundo
leito dos bosques
onde negrejam sombras
de amor;
da água da fonte
trêmula e triste
que se destila
silêncio e flor.
Nasce da névoa
deslumbradora,
do encantamento
das ilusões;
do indecifrável
poço da angústia,
cheio de rubras
aparições.
Nasce do abismo
desses teus olhos,
lagos profundos a
palpitar,
onde em
desmaios, palidamente,
cantam suaves
lendas de luar...
(1955)
TORRE DE BABEL
A noite desceu,
bruta e simples
em sua beleza
selvagem.
A noite caiu
como um fruto,
que o homem,
faminto, comeu.
Noite estrelas,
lua nua,
rua
pálida à luz da
lâmpada sombria,
noite
caixa-de-segredos,
noite!
Eu não descanso
em ti, que és a semente,
descansarei à
sombra da árvore alta.
Noite do albor
da adolescência, que
foste a minha
primeira namorada,
amo-te como se
ama a um passarinho morto.
Noite oceano,
olhos da amada,
nunca me
esquecerei de teu deslumbramento,
que tanto é bela
no teu rosto a vida!
Tinha uma pedra
no caminho, atirei
no céu — estrela
virou.
Cai, noite, cai,
doce fruito,
o homem faminto
te espera.
(1958)
FÁCIL
Digo: Na
remansosa
tarde, expira
uma rosa
e pende o cálix,
grácil..
Digo-o porque é
mais fácil
do que dizer: No
dia
sem glória e sem
poesia
feito em trevas
sem nome,
morre um povo de
fome.
(1962)
BABÉLICA
Falo várias
línguas
e não me
entendo.
Quanto
aprontarei
meu próprio
instrumento?
Falo várias
línguas,
toldas elas mal:
CDA, Bandeira e
—pecado capital—
Castro Alves,
Bilac,
etc. e tal.
Por mais que me
explique,
não me
justifico.
Podia, por
desfastio,
inventar o
Concretismo.
Mas já foi inventado
e arquivado. Me
restaria agora
buscar a receita
(ah, mas é mais
fácil
esperar que
terceiros)
pra desta
babélica
convergência de
outros
que é (m)eu,
cozinhando-a ao
ponto,
tirar o eu
multívoco
e uno,
estranhamente
próprio,
que me/eu fosse.
(1963)
TANGENTE
No Mar Encoberto
p l á c i d o
idéiaemoção
(palavra) =
a c
(s)
b’
r o
cego(s) na
superfície. Nas
entrepalavras
verde-
(rasgada agora crespa)
-lucila a água
fluidíssima.
Sobrejacente a
nave navega,
nada.
(1966)
TELEX
A
Rumen Stoyanov
A
poesia é a fonte em que
ativamos a sede.
A poesia é o alimento que
impede a saciedade.
A poesia é o espinho que nos
protege da flor.
Mas a poesia é flor, ou
promessa de flor.
A poesia é o Nada
nos-criador que modulamos.
A poesia é a Rosa que
inventamos prévia.
A poesia não é a rede, nem o
mar, mas o lançar da rede ao mar.
A poesia é o plágio do não
visto
Atenção:
a poesia é uma explosão
controlada.
(1973)
MULTÍMODA
Não apenas de
cálculo se nutre,
nem somente de
música, a Poesia.
Nem é ela o
noturno, o tetro abutre
a tripudiar nas
podridões do dia.
É maior que as
campinas onde a lua,
cavalo branco e
azul, selvagem nitre;
mais do que amor
medrando em pedra nua,
sonho de flor na
crosta de salitre.
Tudo cabe no
poema — o claro, o escuro,
o cinza,
afinidades, dispersão,
fúrias, mares,
exílios, natureza.
Que não visa a
Poesia ao belo puro,
nem à pura
emoção, mas à emoção
transfigurada em
timbres de beleza.
(1977)
III — LIVRE ESCOLHA
OLHOS
De repente
descubro
a lavada beleza
de teus olhos:
(entre
mim e o sono,
trazes
um sol nos lábios
e
nos seios Vênus)
teus olhos são
como céus que choveram.
(1959)
INVENÇÃO
DA NOITE
Deste silêncio e
desta treva
construo a minha
noite
particular e
intransferível.
Não preciso
inventar as estrelas,
elas nascem e
brilham por si mesmas.
E à meia-noite
uma lua triste
levanta a cara
de prata no horizonte
e verte nos meus
olhos um choro, um frio.
(1959)
CELACANTO
Nadando em
costas d’África
Fruía o
Celacanto
Emissário do
outrora
O seu quinhão de
pranto
No sal que imita
a lágrima
Das águas no
acalanto.
Talvez último príncipe
De extinta dinastia
Em seus rudes sentidos
A solidão doía
Gritava o alto silêncio
Da profundeza fria.
Do seu mundo
apartado
Por muitos
milhões de anos
Só — atual e
pré-histórico
Assombrando os
oceanos
Que mistérios
guardava
Nos seus pobres
arcanos?
Na viuvez atônita
Tu Celacanto corres
De ti e contra ti
Que de lembrar te morres
E que em tua orfandade
De ninguém te socorres.
Tosco irmão
Celacanto
Em solitário
nado
Brasão de sonho
em fuga
Em campo blau
plantado
É verde o teu
enigma!
E eu te decifro
e calo.
(1960)
REGRESSO
Viver é um
desterrar-se
do Limbo, do
Nada,
do
Onde-não-se-Sabe.
Convivemos o
exílio
cordatos,
ferozes,
tolas rãs no
lago,
esquecidos,
vagos,
saudosos às
vezes
do que
éramos-nada.
Curta
circunviagem,
esvai-se a vida,
trêmulo
peixe no mármore.
(1961)
(A)MAR(O)
Em
março o mar soletra
sol e ar e luar.
E o pescador
espera,
a cismar,
que das
espumargênteas
vagalínguas a
ondear
saia a palavra
peixe.
E põe-se a
piscicar,
de anzol,
tarrafa, rede,
arpão — o mar.
Tempera-se a
salina
escuma na carícia
doce do ar.
Chispam
gaivotas-hifens
a mergulhar,
relâmpagos de
união
entre ar e mar.
E o pescador
espera.
O mar tostou-lhe
a cara,
pôs-lhe vagas no
olhar
e na pele. Sua
alma
tem um fundo de
sal.
Mas deu-lhe o
mar um vago
íntimo marulhar
que em março,
abril, desmaios
de amor lhe dá.
E essa amável
magia
é que o faz
esperar,
de janeiro a
dezembro,
no seu destino
claro:
amar o mar
amaro.
(1963)
RAÍZES
À noite
elaboramos nossa essência
(que importa se
esvaneça na alvorada?):
uma ânsia de
fantástica existência
de oníricos
fermentos insuflada.
A noite é quem
recolhe essa mais fluida
secreção da
alma: o sonho. Ou, antes, a alma
em movimento, o
ser, que, sendo, cuida
de fazer-se,
recriar-se em louro e palma.
Alma, sonho. O
criador sendo a criatura,
como argila que
o próprio sopro anima!
Vive-se o dia
para a noite escura
que do clarão do
sonho se ilumina.
Pois o que somos
sob o sol? — Raízes
de inda
inconcretas florações felizes.
(1963)
MATEMOS
A ROSA
A Eliezér Demenezes
A gripe me
separa de minha família.
Casado —
provisoriamente no regime de separação de corpos,
pai —
provisoriamente frustrado, desterrado para o outro extremo da
casa,
durmo na sala,
de quarentena.
Mas não durmo:
penso no porvir de meus filhos.
Não o desejarei
de rosas.
Não porque pense
nos espinhos
¾ o
Homem forma-se na luta
e muita vez os
espinhos valem mais do que as rosas.
Mas porque as
rosas têm hoje outra carga simbólica
e já nada
diferem dos cogumelos.
Pais de todo o
mundo, cuidado! aos nossos filhos
não lhes demos a
cheirar destas rosas,
a comer destes
cogumelos.
Sei que o meu
apelo é patético,
sei que somos
doidos brincando no jardim,
e talvez eu
mesmo ajudasse a plantar a rosa,
a dar sombra e
umidade ao cogumelo.
Mas os meus
filhos estão chorando
e agarram a vida
com ambas as mãos no seio materno.
Quisera lhes dar
a justiça que não temos construído,
o amor que não
temos regado.
Fujamos
para o quintal!
fujamos para os
vastos abandonados quintais
de nascituras
hortas, pomares e roçados.
A rosa corre de
mão em mão
¾ quem quer a rosa?
¾ quem não quer a rosa?
¾ quem a despetala?
¾ quem lhe aduba a terra?
Fujamos para o
quintal
e esqueçamo-la,
entre abóboras,
repolhos e pepinos,
esqueçamo-la,
sob os pimentões
e o trigo
sepultemo-la com
sua morte.
As batatas e as
cebolas manam poesia.
(1963)
CRIANÇA
CHORANDO
Para meu filho Anderson
Teu pranto abala
as raízes da noite.
Tuas lágrimas
reanimam a velha metáfora
e molham
consteladamente o lençol.
Da obscuridade
da tua fome
e do teu desamparo
clamas pelo dia,
o teu dia,
quando fraldas e
cueiros serão retratos esquecidos no álbum
e mamadeiras e
chupetas te farão sorrir sobre outros berços.
Da noite do
ventre materno saíste para a penumbra
e choras.
Tão pequeno e já
franzes a testa.
Porventura sabes
quanto pranto é preciso para fazer-se um homem
e te constróis
impacientemente.
(1963)
MINHA
FILHA
Para a Marília
Minha filha,
tudo em ti é pureza,
mesmo o que em
nós nos lembra
o charco
original.
Merecias um
madrigal,
não um poema
lírico-triste,
cheio de vã
filosofia.
Por ti, devera
eu reencontrar a inocência.
Mas como ser
inocente e lúcido?
Não, hoje não
escrevo o teu poema.
Olho-te, avaro:
meu amor é um lago
incomunicativo.
Te pego ao colo.
Choras.
Mudo-te as
fraldas e adoro-te em silêncio.
(1963)
SEMÂNTICA
As palavras
morrem,
virgens, de
usura,
—
Fartura —
as palavras
finam-se de
desuso.
As palavras
desviam-se,
mudam de órbita
— Democracia —
as palavras,
satélites
forçados a novos
planetas.
As palavras
ocam-se,
deslembrados
signos
— Paz, Amor —
por onde o
pensamento,
como um óleo,
vaza.
As palavras
gastam-se,
oxidam-se de
malícia e asco.
— Liberdade! Liberdade! —
As palavras.
(1965)
PLANALTO
§ O mar é um grande pulso que lateja.
O
planalto é um mar de vagas imobilizadas na diástole,
e
o pulso anula-se na tensão áspera da pele.
§ Gritos mineralizados. O tempo
lapida os cristais fendidos do
silêncio.
E das fissuras mana (imperceptível)
uma saudade marinha.
§ Esmagado espanto vegetal. Pássaros
nadam entre as algas. Seres
estranhos
deslizam no fundo. Restos.
§ O Homem, navegador crispado,
vem sulcar estas águas
coaguladas. Decifra na face
do planalto (memória
de mar petrificada)
seu arcano, e semeia-lhe
arquipélagos.
§ Sobre as vagas imóveis
um vivo mar agita-se.
(1967)
DESCOBRIMENTO
Eu, navegador
caótico,
sem carta de marear,
escassa mão no timão, quase sem leme,
igualmente desassistido das poéticas palavras
portulano, astrolábio,
e cuja invisível bússola
nem sempre funciona,
eu, marujo sóbrio
mas entretanto bêbedo de sereias impossíveis,
desta nau que os ventos compelem
—contra toda ânsia de porto
e embora me ache às vezes capitão de ventos—,
nesta longa derrota, eu,
após Circes de circo e calmarias de assexuadas sereias
resserenas,
desprezadas duzentas Índias ocidentais e orientais, Brasis
de
espanto, Antártidas de
olvido,
nesta longa derrota, eu,
vencidas onze mil solidões de sono e éter,
eu, navegador, bastou-me
erguer os olhos
e te amo
: Astros à vista! —
um céu sem céu,
luar de seios, ástrea
carnação nas faces, onde os olhos
são estrelas maiores,
nuvens de asteróides, anéis de Saturno, auroras
boreais, e um sol
violento,
rubra central da vida,
: — sim, e, oh, eu,
navegador, meu caos
organizo,
e subo e, sem vislumbre
de queda,
para o encontro
desces
(âncoras! âncoras!)
E chanto-te o terrestre
padrão nos astros êxules da carne.
(1972)
O PÁSSARO NO
AQUÁRIO
§
Era um ponto no
aquário.
Era uma escama
aberta
no verde dúbio
da água. Era uma estrela
mínima em céus
de queda.
Era um frêmito,
um ritmo,
um verso
regressivo à origem, nada,
um sopro
extinto, inda outra vez soprado
por sol de
oblívio, escuro.
O pássaro no
aquário
solfejava em
silêncio um sol futuro.
§§
E eram guelras
na escuma, e os olhos, algo
como um pranto
na areia, entre algas, planctos,
como um pranto
chorado em meio a lágrimas
retidas no olho
inexistente. E em breve
eram garras na
terra, a dura guerra,
o mar perdido e
o espaço ausente, ausente.
§§§
Garras, e a crua
guerra.
Barro de espanto
e dor no descampado
entre o sêmen do
sonho e a fronde ao vento.
Mas o dó, mas o
espanto,
a dor e seu
invento:
um sol menor no
peito;
domado, um lá na
plúmea
escama
distendida em ala urgente.
E era um pássaro
na alva de escarlata,
cantando no alto
a ária de orvalho e prata!
(1972)
NOTA
“Trova” está em Trovadores
do Brasil, de Aparício Fernandes (Rio de Janeiro, Editora Minerva,
19697); “Invenção da Noite”, “Raízes”, “Matemos a Rosa”, “Criança Chorando” e
“Minha Filha” integram Altiplano e Outros
Poemas (Brasília, Ebrasa / INL, 1971); “(A)mar(o)” e “Celacanto” figuram em
Marvário (Clube de Poesia de
Brasília, 1976); “Torre de Babel”, “Olhos”, “Regresso”, em Incomunicação (Belo Horizonte, Incomunicação / INL, 1977);
“Semântica”, em Exercícios de Homem
(Brasília, 1978); “Multímoda” (e)[, “Telex”,] “Planalto” [e “Descobrimento”],
em Cronoscópio (Rio de Janeiro,
Civilização Brasileira / INL, 1983); “O Pássaro no Aquário”, no livro desse
título (Brasília, 1990); “Labirinto”, em Dos Sonetos na Corda de Sol (Guararapes, 1999); os
demais permanecem inéditos em livro.