Anderson Braga Horta
Academia Brasiliense de Letras,
em 20 de março de 2014.
Conheço José
Jeronymo Rivera, e de então nos fizemos amigos, desde os remotos tempos de
nossa adolescência, nos bancos escolares, em Minas Gerais.
Em 1950,
Leopoldina era ainda um importante centro educacional –apelidavam-na Atenas da
Zona da Mata–, vivo e procurado por estudantes de toda procedência, em que pese
a concorrência da contígua Cataguases, cujo Colégio, projeto de Oscar Niemeyer,
com jardins de Burle Marx, móveis de Joaquim Tenreiro e um vigoroso painel de
Portinari sobre o Tiradentes, como que continuava a explosão modernizadora de
Humberto Mauro, da Revista Verde e da
Meia-Pataca de nossa Lina Tâmega. Já
não existiam os cursos superiores, mas o Colégio Leopoldinense continuava lá,
imponente, com sua fachada grega e, no vértice do triângulo, a inscrição latina
Mens agitat molem. Tinha um corpo docente de elevado nível.
Ainda lá pontificava o quase lendário Professor Machado, figura extraordinária
de educador e grande figura humana. Português, engenheiro formado na terrinha, exerceu a profissão na região
que Vivaldi Moreira gostava de chamar “a grande Carangola”, passando logo a
educador e dono de um educandário. Tinha fama de truculento. E evocá-lo me
sugere uma precoce digressão.
Já no
Leopoldinense, Machado foi mestre de meu pai, que gostava de falar de sua
cultura e suas façanhas. Contava-se, por exemplo, que chegara a “atirar” um
aluno para fora de classe, pela janela... Não quero repeti-lo, contudo, sem o
cuidado de lembrar que as salas de aula do velho colégio lançavam porta e
janelas para um corredor interno; de modo que a queda não podia ser grande; na
verdade, era praticamente simbólica. Mas a fama chegou até os nossos dias.
Contrariando-a, nosso convívio com ele era timbrado por sua delicadeza de trato e por seu interesse em música (tocava o seu
violino) e literatura, notadamente poesia.
Outro europeu
dava ali seu contributo à educação (num tempo em que podíamos ainda usar a
palavra com propriedade): o francês Rodolphe Gibrat, que lecionava sua língua
natal, a espanhola e a latina.
Se os dois
europeus brilhavam, havia também a prata da casa. Nosso professor de Português,
o poeta Geraldo de Vasconcellos Barcellos, era um deles. E Hamil Adum, nosso
irrequieto professor de Inglês. E Lydio Machado Bandeira de Mello, meu patrono
na Academia Leopoldinense de Letras e Artes, cuja carreira magisterial culminou
na cátedra de Direito Penal da Universidade Federal de Minas Gerais. E
–finalizando, para não me estender em demasia–, o polígrafo Oiliam José, ainda
hoje atuante na Academia Mineira de Letras, de que é secretário honorário.
No quadro assim
superficialmente esboçado inseriu-se à maravilha o José Jeronymo, ou
simplesmente Jeronymo, como o chamava a maioria dos colegas. Grande leitor, era
visto aos domingos num dos bancos da praça fronteira ao colégio, sobraçando os
jornais de fim-de-semana, entre eles o enorme Estadão. Lia-os, como
costumávamos dizer, de cabo a rabo. Como em sociedade nada se perdoa, ganhou o apelido de Zé Jornaleiro.
Era senhor de grande acuidade mental e memória incomum. Tendo parado de estudar
durante algum tempo, juntamente com seu irmão, Deodato, manteve contudo o
interesse em coisas de cultura, de modo que sobressaía notoriamente na multidão
dos alunos. Tirava sempre dez em todas as matérias. Sua excepcional
proficiência levou as autoridades eclesiásticas a contratá-lo para lecionar no
seminário local. Às vezes corrigia proposições desatentas de algum docente nem
tão qualificado. Havia um, talvez menos dedicado, que freqüentemente lhe
passava a batuta e limitava-se a lhe assistir à aula, quase como um de seus
alunos. Certa vez –hoje estou dado a digressões...– um professor, por
implicante discordância em questão de somenos, atreveu-se a lhe dar um nove e
meio. A injustiça foi causa de um quase-tumulto na escola. Posso dizer que o Zé
se tornou, em pendant com o velho
Machado, quase uma lenda, se não um herói, no âmbito da escola e da cidade.
Por esse tempo
começamos a fazer poesia, José, Deodato, eu e mais alguns amigos. Do grupo, era
ele o mais aparelhado para o poema, especialmente o tradicional, que requeria
conhecimento e leitura. Nem lhe faltava –tão cedo!– alguma dolorosa experiência
de vida: filho de Emílio Vello Rivera e de Helena Pinto Ribeiro Rivera, ficou
órfão da mãe aos oito para nove anos (Helena morreu na cidade de Barbacena, o
que me incita a imaginar, meio que divagando em nuvens, a ida do jovem a Minas
como inconsciente busca de identidade; idéia gratuita, vá lá; mas uma coisa é
certa: Minas representou para os dois órfãos um rito de libertação); seguiu-a o
pai, no Rio de Janeiro, cerca de um ano depois. Os primeiros versos de Rivera
foram já de causar inveja a muito poeta veterano. Um soneto, e que soneto!
Veja-se como, após ligeira hesitação inicial, a dicção se consolida no segundo
quarteto, a idéia-sentimento ascende na tríade seguinte e, impulsionada pela
gradação do verso undécimo, vai culminar no áureo terceto final:
VIDA E SONHO
Não sou poeta. E embora faça versos
Em mim não sinto o espírito criador
Que entre caracteres tão diversos
Distingue o ser feliz do sofredor.
Meus sonhos e quimeras vão, dispersos,
Levados por um vento acolhedor,
Através da amplidão dos Universos
Da Fantasia, do Ideal, do Amor.
Que a vida humana, um desejar constante,
Uma nova ansiedade a cada instante,
Ontem e hoje, hoje e sempre se resume
Num sonho inebriante que sonhamos,
Do qual, como lembrança, conservamos
Apenas o nostálgico perfume...
Um soneto
sério, para um adolescente poeta. Vive-se então a fase em que o pensar se
prepara para o vôo, mas em que também se começa a pagar à vida o tributo do
amor. E o jovem poeta dá, naturalmente, testemunho do seu. Vejamo-lo noutro
soneto:
VISÃO NA ALVORADA
A aurora vem raiando. O véu negro da noite
Dilui-se, a pouco e pouco, à luz de um novo
dia,
Como se fosse um brando, um suave e leve
açoite
A varrer da amplidão a manta escura e fria.
As brumas da manhã que nasce bela e clara
Dissolvem-se no espaço, alvas, esmaecidas,
Cobrindo de rubor a face que beijara
O sol a dardejar em setas coloridas.
No firmamento azul, um pássaro dolente
Gorjeia sem parar, saudando a madrugada,
Na sinfonia agreste e virgem do nascente.
E eu que vou indo triste a caminhar na
estrada
Vislumbro na harmonia imensa a minha frente
– Sorrindo para mim, o teu olhar de fada!
Seu Aprendizado Poético (título do opúsculo
que publicou pela Thesaurus, em 2004, reunindo essas primícias) completou-se em
cerca de três anos, de 1951 a 1953. Também aqui mereceria nota dez, caso
submetido a avaliação. Alguns dos poemas aí enfeixados saíram em livro em 1994
(Alma Gentil – Novos Sonetos de Amor,
organização de Nilto Maciel); em 2003 participaria com uma composição
brasiliense na Antologia de Haicais
Brasileiros, organizada por Napoleão Valadares.
Em 1953, seu
último ano em Leopoldina, coube-lhe, mercê do currículo privilegiado, comandar
a ressurreição do jornal dos estudantes. De maio a outubro tirou, como diretor,
auxiliado pelo irmão, secretário, sete edições do Três de Junho. O número inaugural, datado de 5 de maio, trazia no
editorial, assinado por José Jeronymo Rivera, com uma palavra sobre o renascer
do órgão estudantil –“das próprias cinzas”, como a Fênix–, uma profissão de fé
jornalística:
A nossa linha de conduta
–dizia– será invariavelmente uma: a
verdade. A verdade em toda e qualquer hipótese, a verdade cristã na vanguarda
da luta diuturna contra o erro e a mentira, a verdade pura e imaculada de nossa
crença pautando o nosso pensamento e as nossas palavras, contendo nossos
impulsos e fazendo-nos agir em conformidade com os princípios sagrados de nossa
formação moral e religiosa.
No final da
página 2 estampava o soneto “Espectros”.
Ainda naquele
mês, no dia 20, saía o número 2, com matéria editorial intitulada “Maio, Mês
das Mães” e, fechando a edição, o soneto “Mãe”. O terceiro número saiu na data
epônima do jornal, data de fundação do Colégio, Rivera assinando matéria
alusiva e estreando uma coluna de cinema, com artigo sobre o filme japonês O Sino de Nagazáki. Em nova edição,
vinda a lume no dia 20 do mesmo mês de junho, o editorial é sobre a “Subversão
de Valores” em que se engolfava a cultura brasileira, com a ascensão do
materialismo, do culto ao dinheiro e à notoriedade, em detrimento dos valores
intelectuais e espirituais construídos por homens do porte “de um Ruy, de um
Joaquim Nabuco, de um Teixeira de Freitas, de um Machado de Assis, de um
Osvaldo Cruz, de um Bilac”; e a novidade é a criação de uma “Galeria dos Poetas
Brasileiros”, aberta pelo próprio Rivera com o autor de “Cantilena” (“Quando as
estrelas surgem na tarde, surge a esperança...”). Em 5 de agosto, o poeta da
“Galeria” é Cruz e Sousa, e a página de abertura é sobre “o problema do ensino”
– e é melancólico assinalar que sentimos saudade da educação que se ministrava in illo tempore, que a decadência, que a
insuficiência verberada pelo editorialista, embora a razão que decerto o
amparava, representaria hoje um avanço, um progresso, seria, mesmo, quase um
patamar ideal, ressalvada a tecnologia de que atualmente podemos dispor. No
penúltimo número, de 10 de outubro, o poeta homenageado é Moacir de Almeida, e
o editorial, “Notas sobre Cultura”, tem palavras que permanecem atuais – a
unificação da humanidade ainda está no plano da esperança, é bem verdade, mas
as expectativas continuam válidas:
O mundo é um só: apesar da
ignorância e do atraso de algumas grandes massas humanas, sobretudo do Oriente,
a vida espiritual e intelectual da humanidade tende a unificar-se, em um futuro
não muito remoto talvez. As conquistas da ciência necessitam expandir-se mais e
mais: já não há lugar para alheamento ou indiferença. O homem sente que é
chegado o momento em que todos os povos da terra se unam e, desprezando os
fatores maléficos de desagregação e a diversidade de tradições e princípios,
trabalhem harmoniosa e eficazmente pela conquista da paz ....
Finalmente, em
25 de outubro, a edição de encerramento do ano – e da Fênix renascida sob o
condão riveriano. José cede a primeira página para um conto de Deodato,
“História de um Menino Triste”. O editorial vai para a última página;
intitula-se “A Hora da Decisão”, toma por mote a obra de Stefan Zweig Brasil – País do Futuro, cita Ronald de
Carvalho (“O erro primordial das nossas elites, até agora, foi aplicar ao
Brasil, artificialmente, a lição européia”) e aponta as mazelas a combater, num
discurso infelizmente ainda atual, mesmo quanto ao analfabetismo, se não
esquecemos –e não devemos esquecer– sua permanência no que se convencionou
chamar de analfabetismo funcional.
Ei-las, na palavra do ginasiano de então:
o combate ao analfabetismo que obumbra a
mente de setenta por cento do nosso povo; a melhoria do padrão de vida do homem
no campo, evitando-se o êxodo das populações rurais; a difusão e a
reorganização completa e objetiva do ensino, propiciando melhor aproveitamento
e maior número de técnicos e profissionais especializados, e não apenas
bacharéis, muita vez desprovidos de idéias e cheios de ambição; a distribuição
equitativa das riquezas, em relação ao esforço e à capacidade de cada um; e,
acima de tudo, a revisão dos valores, atribuindo-se a cada fator uma posição hierárquica, de acordo com a sua
importância intrínseca, bem como a compreensão individual das responsabilidades
e dos deveres, dos direitos e das obrigações perante o tribunal da
nacionalidade e perante o tribunal da consciência.
Jeronymo não
volta para Leopoldina em 1954. Sem sua presença dinamizadora, a Fênix morre de
vez. Imprimiu-se, todavia, uma edição extra, comemorativa do septuagésimo
quinto aniversário do Colégio, em 1981.
Detenho-me
nessa breve sobrevida do Três de Junho porque
me parece uma realização importante na história do Colégio e definidora do
caráter e dos interesses culturais de Rivera. Esses interesses o levariam à
formação profissional como Engenheiro Civil, Administrador de Empresas e
Economista, ao magistério de nível médio e superior, ao exercício de
importantes funções no serviço público, no Rio de Janeiro e em Brasília, à
colaboração em programas radiofônicos de música clássica e, abreviando, à
literatura, notadamente como tradutor de poesia. Em virtude da sobrelevação
desse veio nas áureas minas riverianas, dedicar-lhe-ei com exclusividade a
segunda parte desta oração.
Aluno de
Francês da Professora Regina Monteiro de Castro, teve já no Ginásio uma boa
exercitação na faina tradutória; mas a tradução propriamente literária só veio
a tentá-lo em Brasília, em meados dos anos 70. Tendo abandonado precoce e
injustificadamente a prática do poema, foi esse o meio que preferiu para
reaproximar-se ativamente da poesia (como leitor, nunca se afastou dela).
A publicação em
livro de algumas das primeiras traduções ocorre em 1976, com Capital Poems (Victor Alegria –
Thesaurus, 1989) e Caliandra – Poesia em
Brasília (André Quicé Editor, 1995). O primeiro livro próprio, na espécie,
teria de esperar o ano de 1998, quando publica pela Thesaurus Poesia Francesa: Pequena Antologia Bilíngüe,
com apresentação nossa, de Arino Peres e de João Carlos Taveira. Foi uma
estréia esplêndida, mostrando um poeta de grande força a empregar o seu talento
na transposição de autores que iam de Guillaume de Machaut (c. 1300-c. 1377) a
Paul Éluard (1895-1952). A segunda edição, dada a lume dez anos depois,
esticaria este termo até os nossos dias, com os contemporâneos Yves Bonnefoy e
Philippe Jaccottet. Dentre as esmeradas versões em nossa língua é difícil escolher.
Qualquer uma traduziria dignamente o bem-recompensado esforço de Rivera.
Fiquemos com Baudelaire, poeta de nossa predileção, aí representado
preeminentemente –o destaque é meu– por dois sonetos, “Recueillement” e “La
Musique”; e, dentre esses, por causa da musicofilia que nos é comum, com o
segundo:
A MÚSICA
A música me atrai, muita vez, como o mar!
Rumo à etérea estrela,
Sob um teto de bruma ou na amplidão solar,
Ergo minha vela;
De peito para a frente e com os pulmões
inflados,
Qual fossem de tela,
Escalo à vaga imensa os cimos sublevados
Que a noite me vela.
Sinto vibrar em mim o fervor das paixões
De um barco sofrendo;
O bom vento, a tormenta e suas convulsões
No abismo tremendo
Me embalam. Vez a vez, calmaria a espelhar
Todo o meu penar!
A recepção da Pequena Antologia foi consagradora.
Saudaram-na entusiasticamente cerca de três dezenas de escritores de mérito e
nomeada. Da numerosa relação pinço, pelo denso de seus comentários, alguns
nomes significativos: Alphonsus de Guimaraens Filho, Carlos Nejar, Cleonice
Berardinelli, a portuguesa Dalila Pereira da Costa, Fausto Cunha, a italiana
Luciana Stegagno Picchio. Se monótono fôra enumerá-los, inviável é
transcrevê-los. Limito a exemplificação a um deles, Alexei Bueno, cujo
depoimento resume admiravelmente o impacto positivo da estréia riveriana, ao
passo que o declara “um dos maiores tradutores de poesia do Brasil”:
Suas traduções
–diz ele– são magistrais, algumas inigualáveis. O “Recolhimento”, do
Baudelaire, que julgo dos maiores sonetos da língua francesa, está
extraordinário, mas o grande espanto é o quase impossível Cemitério Marinho. Que grandes soluções as suas, e que arte em
abandonar as consoantes pelas toantes nos momentos inevitáveis, criando
verdadeiras surpresas no que seria uma irregularidade e mantendo de ponta a
ponta o tom e o registro altíssimo desse poema sem paralelo.
Não posso
deixar, contudo, sem menção o veredicto de Fausto Cunha, objeto de nossa comum
admiração. Para o contista de As Noites
Marcianas e ensaísta de O Romantismo
no Brasil, a Pequena Antologia é
em verdade grande, e o “Cemitério Marinho”, “um muitíssimo bem sucedido morceau de bravoure”.
De 1999 é Cidades Tentaculares (Les Villes Tentaculaires), primeiro
livro de Émile Verhaeren traduzido integralmente entre nós. Rivera tem pronta
para o prelo a tradução de outro livro desse belga de expressão francesa, Les Heures. Em 2001 lançou as Rimas de Gustavo Adolfo Bécquer. Dessas,
que lhe valeram o prêmio Cecília Meireles, da União Brasileira de Escritores –
Rio de Janeiro, quero lembrar um poema que apreciamos desde as primeiras lições
de Espanhol, em Leopoldina:
Do salão em um ângulo escuro,
de sua dona talvez olvidada,
silenciosa e coberta de pó
via-se a harpa.
Quanta nota dormia nas cordas,
como o pássaro dorme nas ramas,
esperando sentir a mão nívea
que sabe arrancá-la.
–Ai –pensei–. Quantas vezes o
gênio
assim dorme no fundo de uma alma,
e uma voz, como Lázaro, espera
que lhe diga: “Levanta-te e anda”!
Outra novidade
em português são os poemas em prosa do Gaspard
de la Nuit, de Aloysius Bertrand. Nosso querido Xavier Placer historia, no
prefácio:
ORA CONHECENDO
as traduções de poesia francesa e espanhola de José Jeronymo Rivera, sugeri um
dia que traduzisse o Gaspard. E ele,
de Brasília, em suas costumeiras cartas fonadas: – Aceito o repto! Correu a
informar-se em detalhe com o bibliófilo e musicólogo Sérgio Luiz Gaio, que
possuía o raro autor em bela edição e que ainda o fez ouvir bertrandianos
poemas musicados por Ravel.
Após declará-lo
“tradutor fiel e exigente”, diz mais:
Ao trabalhador
intelectual José Jeronymo Rivera, de formação matemática, musical e literária,
louvação não é preciso. O feito e bem feito o promove.
Cabe salientar
entretanto que, com sólida experiência neste ofício difícil (Ortega y Gasset
qualificou-o de “faena improbable/ pero de gran sentido” em Ideas y Creencias – Miseria y Esplendor de
la Traducción), mais uma vez saiu-se bem, confirmando premiações por outros
trabalhos.
Porque sabe que
traduzir é servir, mas não se escravizando à letra, atualizando com inteligente
e aberto critério, ah! e jamais se substituindo ao Autor. Fundo e forma aqui
estão preservados: sabor do original. E sem retirar a feição estética do
volume, quis acrescê-lo do instrumental informativo. Além da cronologia de
Bertrand apresenta a fortuna crítica mais nova do Gaspard de la Nuit.
Mereceu esse
trabalho (como os anteriores, edição da Thesaurus; data: 2003) excelentes
críticas de Adelto Gonçalves, Antônio Olinto, Manuel Hygino dos Santos e Rubens
Shirassu Júnior.
Dez anos depois
vem a lume, pela mesma Editora, A Voz a
Ti Devida, do poeta espanhol (da famosa Geração de 27) Pedro Salinas (de
quem, aliás, tem também José Jeronymo, prontas, a tradução de Razón de Amor e Largo Lamento, completando
a “trilogia amorosa”, além das versões de El
Contemplado e Todo más Claro).
Rivera, esse “poeta disfrazado de traductor”, na feliz expressão de José
Antonio Pérez-Montoro, que assina o estudo introdutório, foi, a propósito, alvo
de lúcido comentário de Adelto Gonçalves, que o aponta como “um dos grandes
tradutores das poesias espanhola e francesa para a Língua Portuguesa”. Nas
orelhas, o poeta João Carlos Taveira registra “a marca de qualidade da tradução
de José Jeronymo Rivera, com a confirmação do velho axioma: ‘Todo tradutor de
poesia deve ser, em essência, um poeta.’”
Nosso
poeta-tradutor lançou ainda um bom número de edições do mesmo gênero (todas
bilíngues) em parceria com autores do porte de um Fernando Mendes Vianna e um
José Augusto Seabra: Poetas do Século de
Ouro Espanhol (Embaixada da Espanha / Thesaurus, 2000), laureado com o
Prêmio Joaquim Norberto, da UBE – Rio de Janeiro; Victor Hugo: Dois Séculos de Poesia (Thesaurus) e O Sátiro e Outros Poemas (Galo Branco),
em 2002; Antologia Pessoal de Rodolfo
Alonso (Thesaurus) e 25 Sonetos
Descaradamente Eróticos, de José Antonio Pérez-Montoro (Círculo de Estudos
Clássicos de Brasília), ambos de 2003; e Antologia
Poética Ibero-Americana, organizada por Pavel Égüez para a Asociación de
Agregados Culturales Iberoamericanos (Cuiabá, 2006). Participou, finalmente,
com traduções inversas, do português para o espanhol, no belíssimo volume,
organizado por Seabra, Poetas Portugueses
e Brasileiros dos Simbolistas aos Modernistas (Instituto Camões /
Thesaurus, 2002).
Na coleção
Livro na Rua, da Thesaurus, publicou, além de seu Aprendizado de Poesia, na condição de organizador: Humberto de Campos: Poesia; Xavier
Placer: Poemas; Miguel Torga: Contos e
Almeida Garrett: Poesias.
Completando o
quadro de suas atividades literárias: tem realizado palestras na Associação
Nacional de Escritores e na Biblioteca Nacional de Brasília, e colaborado em
periódicos como Literatura, Revista de Poesia e Crítica, Revista da Academia Brasiliense de Letras
e Jornal da ANE.
Encerremos
nossa homenagem a esse tradutor extraordinário com outra exaltação à arte de
Euterpe, na voz privilegiada de Albert Samain, privilegiadamente modulada por
José Jeronymo Rivera:
MÚSICA
Se palavras não há que possam de minha alma,
Nesta noite, conter a ânsia de sossegar,
Que um arco puro se erga e cante, e seu
cantar,
Sozinho, me transforme o sonho ansioso em
calma.
Ó taça de cristal com a lembrança que
ensalma!
Ó Música, tu vens minha sede matar;
Só no segredo teu, como um lábio a beijar
Outro lábio, instintiva, a alma se funde e
acalma.
Soluço de ouro!... Estranho e divino
mistério!
Um vento de asa corre, e é como um
refrigério;
Mãos de anjos vêm passear em nós sua doçura,
Harmonia, e tu és a Virgem amorável,
A criança gentil que em seu peito emoldura
O nosso coração imenso e miserável.
José Jeronymo
Rivera vem enriquecer nossa orquestra acadêmica de um instrumento raro. É-lhe
destinada a Cadeira n.º XXVIII – Olavo Bilac, antes ocupada por Clovis Sena,
ilustre jornalista, poeta e ensaísta, como nós amante da música, dileto amigo
nosso desde os inícios de Brasília.
Bem-vindo seja.
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