Por Alexandre Moreira, Coordenador da Casa de Leitura Lya Botelho
A Casa de Leitura Lya Botelho, dentro do projeto “Leopoldina: Memória e Patrimônio” vem pelo segundo ano consecutivo propor uma reflexão sobre os bens culturais, materiais e imateriais, que representam as estruturas onde o núcleo social constrói sua história.
A exposição "REMEMÓRIA 80", que apresenta parte do acervo de ELIAS ABRAHIM NETO e que a Casa de Leitura Lya Botelho estará apresentando entre 3 de novembro e 20 de dezembro do corrente ano, acontece concomitantemente à mostra de quadros do saudoso LUIZ RAFAEL DOMINGUES ROSA, no espaço Biblioteca da Casa de Leitura Lya Botelho. Ambas estarão abertas no horário de funcionamento da Casa de Leitura Lya Botelho: segunda a sexta, das 8:00 às 11:30h e das 13:00 às 17:00h. Aos sábados, das 8:00h às 11:30h. Agendamentos para grupos de estudantes, escolas, clubes de serviço devem ser feitos enviando e-mail para: casadeleitura@gmail.com
Elias e o Almanack do Arrebol
O acervo do leopoldinense Elias Abrahim Neto, cuja parcela referente aos anos 80 do século passado é o motivo desta exposição, constitui um exemplo de como o cidadão comprometido com seu tempo e lugar pode dar guarda à história local, colecionando-a através do olhar atento e a significativa seleção e registro dos fatos.
Em todo o mundo a década de 80 foi de grandes mudanças, tanto no comportamento das pessoas, seja pelo avanço tecnológico ocorrido ou pelas revoluções e crises políticas. As Artes em geral, como sempre, muito bem refletiram esses tempos atribulados apropriando-se da crescente evolução tecnológica e sua popularização (fotografia e vídeo digital, internet, computadores domésticos, TV’s a cabo, etc) para diagnosticá-los e registrá-los.
Elias Abrahim Neto foi um desses cidadãos que se apropriaram dos benefícios das novas tecnologias e equipamentos disponíveis para registrar e comentar o seu tempo. A facilidade oferecida pela câmera fotográfica compacta, mais leve e o acesso a novas máquinas impressoras, inclusive às potentes e sofisticadas fotocopiadoras, possibilitaram que o jovem Elias pudesse expressar-se mais e melhor naquilo que muito lhe agradava: o registro de tudo o que possa constituir o patrimônio de sua cidade natal.
Nasceu então o ALMANACK DO ARREBOL, de formato inspirado nos existentes almanaques que costumeiramente eram distribuídos em farmácias e outros prestadores de serviços. Em muito lhe agradava a liberdade de, num mesmo material, poder abordar a arte e a cultura ao entretenimento. De pequeno formato, a revista, dependendo de patrocinadores, circulava com alguma regularidade e existiu até a sua 9ª edição trazendo entrevistas com pessoas de destaque na cidade, registrando fatos e ocasiões de importância, dando espaço para que escritores, memorialistas, desenhistas, gravadores e fotógrafos pudessem se expressar e, à maneira dos demais almanaques circulantes, explorando o lazer através do humor, tirinhas e palavras cruzadas.
A importância do ALMANACK DO ARREBOL é justificada pelo registro de iniciativa independente de pessoas e eventos que se mostravam importantes nos aspectos socioeconômicos e culturais daquela década, em Leopoldina, em plena Zona da Mata mineira. Sem competir com os jornais existentes na época, o ALMANACK pode ser visto como um precursor dos suplementos culturais de hoje.
A exposição que ora apresentamos pretende levar o visitante a uma viagem àquela década através do olhar de Elias Abrahim Neto. São centenas de fotos dos seus arquivos pessoais, registros realizados por ele sem pretensões artísticas outras do que a de perpetuar uma cidade que estava começando rapidamente a se transformar, perdendoou substituindo algumas das suas características, adquirindo nova silhueta e desenvolvendo novas maneiras, costumes e necessidades. Ruas, praças, construções, pessoas, festas populares, eventos políticos, personagens locais, praticamente tudo e todos ocuparam a atenção de Elias. Basta, entretanto, um passar de olhos nessas fotografias e nos textos e imagens de qualquer dos números do ALMANACK DO ARREBOL para percebermos que não há a fria e pretensa neutralidade jornalística nos elementos expostos. Ao contrário, o autor se dispõe comentar, pelo recorte do seu olhar, aqueles tempos, sua própria terra e seus habitantes, num eloquente registro crítico e sentimental.
Graças ao patrocínio e apoio da ENERGISA, da Prefeitura Municipal de Leopoldina, da Secretaria de Educação e da Secretaria de Cultura, Esportes, Lazer e Turismo, bem como da FOJB-Fundação Ormeo Junqueira Botelho, a Casa de Leitura Lya Botelho tem a grande satisfação de apresentar o Acervo Elias Abrahim Neto na certeza que o mesmo possa ser inspirador para o melhor conhecimento da História e valorização da Cultura local. Esperamos que o visitante reconheça, assimile e desenvolva a importância da preservação e catalogação dos bens culturais da cidade para o enriquecimento do registro da História local. Os futuros cidadãos leopoldinenses agradecerão essa iniciativa.
Leopoldina e Luiz Raphael: um caso de amor
Professor, artista plástico, conservador, pesquisador, ativista cultural, memorialista são alguns dos qualificativos que Luiz Raphael Domingues Rosa soube tão bem assimilar e pelos quais é lembrado e reverenciado. Fiel representante dos chamados “homens Renascentistas”, indivíduos de múltiplos e admiráveis talentos, deixou um legado de inestimável valor do qual, hoje, a Casa de Leitura Lya Botelho hospeda uma parcela na exposição “LEOPOLDINA E LUIZ RAPHAEL: UM CASO DE AMOR”.
Se a sua luta preservacionista é por todos conhecida, na árdua labuta em manter e impedir que desaparecessem os traços da permanência do poeta paraibano Augusto dos Anjos na cidade, é em sua expressão artística que vamos encontrar o desenhista, o pintor, o professor mas, sobretudo, o atento memorialista. Se me permitirem fazer uma analogia, poderia dizer que o poeta e músico leopoldinense Antonio Sérgio Lima Freire (1945-2008), o Serginho do Rock e Luiz Raphael, o “Fael”, contemporâneos que foram, compartilharam uma singular característica: praticamente toda a sua produção artística é centrada em sua terra, na “pequena” Leopoldina, em seus tipos humanos e sua geografia. Cada um, à sua maneira, preservou “instantâneos” da cidade e seus arredores exaltando suas formas, seus aspectos mais corriqueiros, a sua singela beleza, preservando-a para sempre, inalterada.
Como artista plástico, autor de diversas aquarelas, desenhos telas a óleo e acrílica, Luiz Raphael associa o olhar amoroso do cidadão apaixonado pela sua terra e seu povo com um outro, mais preciso, menos idealizado, o do memorialista comprometido no registro da verdade, do real. Observa-se em muitas de suas obras a precisão quase fotográfica no desenho e colorido dos elementos arquitetônicos existentes associados a um entorno onde o ser humano e demais elementos são “interpretados” mais livremente pelo artista.
Herdeiro de uma longa tradição de pintores documentaristas que incluem nomes como Debret, Rugendas, Eckhout, só para citar os mais conhecidos, que tiveram como missão registrar em todos os seus detalhes um Brasil recém-descoberto, Luiz Raphael olha para a sua cidade com a mesma admiração de quem a vê pela primeira vez. Os “anjinhos” na festa da Igreja do Rosário, a marcante presença do Morro do Cruzeiro, as palmeiras imperiais da Praça Félix Martins, a velha sorveteria, em tudo há poesia e verdade. A realidade coexiste inseparável do olhar amoroso do artista.
Esta exposição, que acontece durante a passagem do centenário da morte do poeta Augusto dos Anjos, de quem Luiz Raphael definia-se como “mordomo”, reúne obras de diversas épocas, pertencentes a coleções particulares, inclusive da própria família do artista e que foram gentilmente cedidas graças ao valioso empenho do pesquisador leopoldinense Elias Abrahim Neto.
O visitante irá, certamente, identificar lugares e situações ao visitar a mostra, aceitando o convite do artista para “re-ler” sua cidade, renovando seu olhar e estima pelas suas belezas naturais e outras edificadas através de gerações. Nesse resgate de valores, a importância da conservação patrimonial e o seu registro através de todas as manifestações artísticas e equipamentos tecnológicos se faz evidente e necessária.
Não há futuro onde o passado é negado, omitido, abandonado. Provavelmente não teríamos o Museu Espaço dos Anjos na própria casa onde viveu e morreu o poeta, não fosse pelo empenho abnegado de Luiz Raphael Domingues Rosa. Não estaríamos hoje apreciando sua obra, não fosse o cuidado dos proprietários desses quadros expostos em conservá-los, da família Domingues Rosa.
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